Grupos 3
Como seria de calcular naquele café não paravam só grupos. Era habitual encontrar por lá indivíduos solitários. Daqueles que se sentam numa mesa, fazem o pedido ao empregado e depois de atendidos iniciam diálogos com os seus amigos imaginários. Mas se houvesse um prémio para o maior solitário do café, o Oscar iria para Teófilo. O Oscar, o Bafta, o Leão e a Palma de Ouro seriam arrebatados por este idoso. Teófilo, velhote ensimesmado e taciturno, nem sempre tinha sido assim. Na aurora dos tempos fazia por dar-se com as pessoas mas elas, invariavelmente, acabavam por morrer. O que, para além de aborrecido trazia muita dor. Assim, Teófilo escolheu conviver apenas com um destes dois sentimentos e a partir dessa altura o aborrecimento acompanhou-o quase sempre. Era o vazio relacional que o alimentava. Ao longo da sua existência esse aborrecimento foi crescendo e tornou-se tão permanente e denso que chegava a projectar uma sombra ao seu redor.
Era habitual encontrar Teófilo na mesa do canto, com a sua gabardina impecavelmente branca ora sobre os ombros, ora sobre a cadeira vazia à sua frente, dependendo da estação do ano. Bebia o seu café sempre acompanhado de um copo de água e ,durante o resto da noite, mexia e remexia em boletins. Boletins de totoloto, de totobola, talões de lotaria, de raspadinha, enfim todo o tipo de jogo de azar que pudesse ser transportado nos bolsos da gabardina.
Na noite que viria a ser conhecida por alguns como a noite dos desaparecimentos, também ele lá estava. Na mesa do canto. Café bebido, gabardina sobre a cadeira à sua frente mas, pasme-se, sem papelinhos na mesa. Desta vez não havia talões nem boletins a prometer prémios ao jogador. Teófilo olhava expectante pela janela e lá fora a noite passava como habitualmente, ignorando o que quer que fosse que Teófilo esperava dela. Na rua passaram dois jovens e logo de seguida um vulto num tipo de corrida tropeçada. Foi então que houve um clarão, algo que para os olhos de um observador destreinado facilmente seria confundido com o flash de uma máquina fotográfica. Mas Teófilo não era destreinado em nada, os anos que o fizeram idoso tinham sido muito bem ocupados. Há muito tempo que Teófilo não se sentia assim, parecia que o aborrecimento se estava a desvanecer. Teófilo demorou um pouco a entender que sentimento era aquele. Quando o reconheceu permitiu-se entusiasmar na plenitude e disse:
- ah ah!!
4 comentários:
Está a ficar cada vez melhor!
Ui! Imensas diferenças!
este n desapareceu?
este não parece tão fortemente humoristico como os outros. mas isso não é mau. é apenas diferente.
parabéns pela escrita. gostei de todos.
um abraço.
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